Capítulo II - Despertar
Capítulo III - Primeiras Perguntas e Respostas
Capítulo IV - Segundo Despertar - As Revelações Continuam
Capítulo V - Lembranças de Um Dia no Futuro
Capítulo III - Primeiras Perguntas e Respostas
Capítulo IV - Segundo Despertar - As Revelações Continuam
Capítulo V - Lembranças de Um Dia no Futuro
VI - Um Sonho dentro do Sonho
O
recinto era um cômodo simples. As paredes haviam sido recobertas por um
revestimento em relevo que lembrava pequenas almofadas dispostas lado a lado. Não
havia janelas. Numa das paredes, um crucifixo prateado de uns vinte centímetros
de altura era o único objeto decorativo. No chão estava uma peça de tapeçaria
solitária e alguns acolchoados de aparência confortável. Uma luz violeta
conferia ao ambiente certa aura de paz e mansidão. Junto à parede, abaixo do
crucifixo, um pequeno móvel onde um instrumento eletrônico, parecido com um
aparelho de som, somava-se à mobília escassa do ambiente.
O
Ancião sentou-se sobre um acolchoado, perto do aparelho e, com um gesto, convidou
seu hóspede a fazer o mesmo:
-
Relaxe - Disse ele, enquanto ajustava alguma coisa no pequeno equipamento -
Este é mais um singelo avanço tecnológico, inexistente no seu tempo! Como é sua
primeira vez, talvez seja útil controlar a respiração...
A
seguir, o venerando, após adotar postura confortável, coluna absolutamente
ereta, e orientar o jovem a fazer o mesmo, ensinou o jovem a sentir a própria
pulsação e controlar seus movimentos inspiratórios e expiratórios, ao sabor do
ritmo cardíaco:
- Agora
é preciso fechar os olhos e relaxar... – Convidou, finalmente o ancião. Depois cerrou os próprios olhos e assim permaneceu em
atitude serena por vários minutos. O silêncio era pleno.
Pedro,
confuso, não sabia exatamente como proceder. Movido, no entanto, quer pela
curiosidade, quer pela influência do comando brando, porém irresistível, de seu
interlocutor, decidiu embarcar naquele exercício de relaxamento.
O
jovem, a princípio com seus pensamentos inquietos, encontrou dificuldade para
relaxar, mas a absoluta quietude do recinto, a atitude relaxamento, o pranaiama
natural, aquela luminosidade suave e a presença tranquilizadora do ancião
foram, lentamente, exercendo efeito sedativo sobre nosso personagem. Aos
poucos, os pensamentos emaranhados foram dando lugar ao silêncio interior e a um
estado de sonolência superficial... Devagar, a escuridão de seu panorama íntimo
foi sendo insidiosamente preenchida por luminosidade acolhedora e indefinível.
Pequenos torvelinhos de cores serelepes brotavam nos recantos de sua mente no
horizonte limitado pelas pálpebras cerradas. De início, como imagens trêmulas e
evanescentes, mas, pouco a pouco, assumindo feições de um campo tingido de
tonalidades vivas e reconfortantes. Sua paisagem mental foi percorrendo
lentamente o espectro luminoso, quando pareceu estacionar em acolhedores
matizes de violeta. Passados alguns instantes nos quais Pedro quase adormecia à
luz serena desse violeta interior, ouviu-se um rangido suave como se a porta do
recinto fora aberta. Sob estímulo desse ruído, despertando repentinamente de
seu estado de êxtase, Pedro abriu os olhos no momento exato em que uma
luminosidade soberba e ofuscante, proveniente do ambiente externo, invadia o
pequeno cômodo através da porta, agora entreaberta. Estranhamente, ao cerrar-se
a porta, ao som do mesmo ranger suave que antes anunciara sua abertura, a
brilhante claridade permaneceu no interior do recinto, ao invés de cessar
completamente, como o jovem esperaria.
Surpreso, mas ao mesmo tempo tomado de
serenidade, Pedro viu essa claridade ofuscante, na forma de um vulto luminoso,
mover-se pelo ambiente e estacionar entre ele próprio e o ancião. Devagar seus
olhos iam-se acostumando com o fulgor resplandecente que parecia ocupar cada
vez mais completamente o espaço daquele recinto. Devagar, o rapaz começou a
distinguir uma silhueta humana no interior daquela expressão cintilante de
cores cristalinas que, aos poucos, foi se firmando ante sua vista com
impressionante nitidez! Agora distinguia a figura de uma mulher belíssima, de
cabelos ruivos e cacheados esplendorosamente iluinados. Os olhos verdes
carinhosos expressavam uma bondade inesgotável. Trajava um blusa cor de carmim
e uma saia longa, muito alva, até os tornozelos. Usava calçados simples, também
alvíssimos, aparentemente confeccionados de tecidoc... Era Carmem, a mulher da
fotografia. A esposa do seu afetuoso anfitrião! Pedro estava extasiado...
Impressionado com a figura luminosa e belíssima a sua frente e anestesiado por
um torpor inexplicável. Impressionava-se com a visão, mas ao mesmo tempo
aceitava aquela aparição angelical com a mesma tranquilidade da pessoa que, no
ambiente onírico de um sonho, convive sem ressaltos com as criações
surpreendentes da própria mente!
Nesse
estado de estarrecida passividade, nosso protagonista assistiu a figura sublime
de mulher aproximar-se de si e contar-lhe impressionante história sem, no
entanto, mover os lábios para dizer-lhe uma única palavra. Ao invés disso, o jovem
viu-se transportado para o local exato onde os fatos significativos aconteciam,
presenciando a história a desenrolar-se diante de seus olhos de maneira tão
viva e realista quanto era viva e realista sua participação nos protestos da capital
paulista no dia anterior. Numa transição minuciosa por demorados acontecimentos
históricos, nosso personagem imergiu profundamente em fatos que, no ano de dois
mil e setenta e três, eram história,
eram passado, mas, ao mesmo tempo constituíam uma perspectiva outrora
inimaginável de seu próprio futuro. E assim, ano a ano, década a década, o
estupefato adolescente participou de experiências das quais supostamente ainda
participaria se esse sonho espetacular não o tivesse arrebatado de sua vida
trivial no ano de dois mil e treze...
Foi
assim, vivenciando de corpo e sentindo na alma,
que Pedro Celso Nascimento teve conhecimento dos fatos aparentemente
desconexos e absolutamente dolorosos responsáveis por dizimar dois terços dos
homens e mulheres sobre a superfície do globo, a partir da terceira década do
milênio. Epidemias, calamidades naturais, acidentes numerosíssimos de todos os
tipos, a insanidade, tudo parecia ter escolhido essa época específica da
história da humanidade para acontecer... As fibras do coração de nosso jovem
idealista sangravam num sofrimento indizível diante de tantos acontecimentos
penalizantes...
Mas,
aos poucos a paisagem daquela viagem alucinante foi-se transformando num cenário
de regeneração e fraternidade. O panorama de múltiplas epidemias ia dando
ensejo para o surgimento de almas abnegadas que entregavam seus corações aos
enfermos assistindo-os do momento das primeiras mazelas até o leito da morte; o
pós-vir das calamidades era o pretexto para os sobreviventes excederem sua
própria capacidade de servir, estendendo-se as mãos para o trabalho de
reconstrução, sob a luz pacificadora de um novo horizonte, adivinhado, no
íntimo, pelas dedicadas criaturas; a cada acidente, onde as vítimas fatais eram
recolhidas deste para outro mundo por mãos invisíveis e amorosas, restava aos
vivos confortar seus vivos, fazendo desabrochar, no coração humano a florada
caridosa de uma primavera de ventura; onde a loucura, o assassinato e a guerra
frutificavam da insanidade, a colheita já não se fazia com rancor e ódio, mas
com a sensatez e perdão que pareciam invadir a paisagem interior da
personalidade humana em todos os continentes, no anseio fraternal de uma
multidão de pessoas extenuadas pela violência...
Pedro
via, mas não compreendia. Sentira em seu próprio coração a dor de uma
inumerável quantidade de mazelas, mortes e sofrimento que depois, aos poucos, foi
cedendo espaço para o seu oposto, para a paz, para a fraternidade, para a
regeneração de tudo aquilo que antes fora destruído... Mas nenhuma explicação. Qual
o motivo de todos aqueles acontecimentos trágicos? O anjo amoroso a seu lado,
uma espécie de guia silencioso, o tranquilizava com sua presença magnânima e
benevolente, mas não lhe fornecia as explicações. Ao contrário, sua presença
era como a de uma autoridade bondosa e sublime, diante da qual não se faz
perguntas, diante da qual tudo se aceita como verdadeiro e absoluto, como se
fora parte de um planejamento irretocável da divindade...
E
assim Pedro, levado a uma compreensão interrogativa, a uma aceitação tácita,
mas inexorável, viajava rumo a um futuro cada vez mais distante. Era conduzido,
passo a passo, acontecimento por acontecimento, até aquele exato instante do
qual se retirara antes, no recinto das luzes violetas, dentro do apartamento de
seu anfitrião. Nesse traslado pela ponte inebriante do tempo, um torpor
irresistível foi transformando suas vívidas experiências num torvelinho de
reminiscências cuja nitidez se perdia conforme avançava rumo ao presente... Rumo
ao futuro... Pessoas se faziam vultos, paisagens se desfaziam em aquarelas
fugidias, vozes sonoras se encolhiam em murmúrios imperceptíveis...
Até
que, do sonho, o adolescente, extasiado, parecia retornar à realidade anterior
onde tudo o que percebia era uma luminosidade absolutamente intensa...
Gilberto de Almeida
08/08/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário