Capítulo II - Despertar
Capítulo III - Primeiras Perguntas e Respostas
Capítulo IV - Segundo Despertar - As Revelações Continuam
Capítulo V - Lembranças de Um Dia no Futuro
Capítulo VI - Um Sonho Dentro do Sonho
Capítulo VII - Pesadelo
Capítulo III - Primeiras Perguntas e Respostas
Capítulo IV - Segundo Despertar - As Revelações Continuam
Capítulo V - Lembranças de Um Dia no Futuro
Capítulo VI - Um Sonho Dentro do Sonho
Capítulo VII - Pesadelo
VIII - E Depois das Ruas?
Pedro
realmente despertara sedento... E totalmente desnorteado. A princípio, quase
despencou do leito ao tentar levantar-se de supetão, sem se dar conta de estar
atado a um complicado aparato ortopédico.
Esse pequeno susto foi como um gatilho a trazer o jovem de volta para os
domínios da realidade e disparar a exibição vigorosa de uma retrospectiva nos
painéis atordoados de sua mente superexcitada. Em um minuto, o adolescente
assimilou por completo os detalhes possíveis de sua situação. Seu cérebro jovem
e dinâmico traçava alternativas para explicar a si mesmo os fatos incríveis de
que se rememorava. Ávido por preencher as lacunas de suas memórias, inclusive
referentes ao período durante o qual estivera desacordado, mas, ao mesmo tempo,
extasiado pela alegria de contemplar as carinhosas figuras de seus pais no
instante exato de seu abrir de olhos, Pedro acabou por protagonizar com seus
parentes uma verdadeira efusão de esforços de comunicação e demonstrações de
afeto desencontradas, digna dos habitantes de Babel. Enquanto a tia esbaforida
procurava apressadamente encher um copo descartável com água para amenizar a
sede do menino, correndo para isso à pequena geladeira do apartamento
hospitalar, os pais se debruçavam sobre o garoto de maneira intempestiva, entre
alegria e lágrimas, palavras de surpresa e de gratidão, entremeadas por
inúmeras perguntas e por ansiosos gestos de afeto! Ao mesmo tempo, o jovem
também fazia suas múltiplas perguntas, sem esperar pelas respostas, enquanto
abraçava os queridos genitores entre exclamações de júbilo! Quando a tia,
apressada, retornou em meio a beijos e abraços, o primeiro copo d’água não teve
outro destino senão a previsível trajetória de queda até o lençol da cama do convalescente,
onde se entornou, transformando aquela cena num espetáculo ainda mais
espalhafatoso. De fato, foram necessários vários minutos para que alguma
tranquilidade se estabelecesse no recinto e Pedro saciasse sua sede, ou parte
dela. Passados esses minutos, a sede do jovem convalescente começaria a mudar
de foco!
Na
próxima hora ou duas, os parentes colocaram nosso protagonista a par do quanto
haviam podido apurar sobre a sua trajetória, desde a noite na Avenida Paulista
até aquela manhã no hospital. As informações não eram muitas e as lembranças do
garoto frequentemente pareciam não ajudar. O episódio do martírio na delegacia assumia
contornos de acontecimento fadado a transformar-se num mistério irresoluto; a
não ser por lampejos muito breves, mais semelhantes a terríveis pesadelos, a
maior parte dos fatos ocorridos naquela madrugada mostrava ter se esvanecido da
memória do garoto, numa demonstração divina de misericordiosa amnésia. No
entanto, apesar da felicidade de estar na companhia dos pais e da curiosidade a
respeito de tudo quanto lhe acontecera, o estado de saúde do rapaz era
precário. Breve, todos reconheceram estar ele exausto e necessitar de um pouco
de silêncio. Ninguém, contudo, queria ver o adolescente adormecer novamente,
temerosos de vê-lo retornar ao estado comatoso. Decidiu-se, portanto: o pai vasculharia
a enfermaria, para providenciar imediata avaliação médica, a querida tia
aguardaria no corredor e apenas a mãe lhe faria companhia até o comparecimento
do plantonista daquele turno...
E
assim, agora desperto, porém com maior tranquilidade interior, uma vez passados
os momentos de euforia inicial e enquanto sua mão direita era afagada pelas
mãos carinhosas da querida mãe, o jovem pôde, no silêncio do seu fatigado
recolhimento, dar vazão às conjecturas sobre o que lhe teria ocorrido no dia seguinte
à manifestação na Avenida Paulista. Buscou, em reminiscências de poucos anos
atrás, as palavras de um amigo de ascendência indiana a respeito de certo
estado de êxtase, a que os mestres espirituais do oriente conseguiam chegar
através da meditação e, no qual, o presente, o passado e o futuro se
misturavam. Na ocasião, ficara impressionado com tal possibilidade, mas nada
mais! Nenhum outro interesse tivera na questão. Agora, tendo passado por aquela
experiência estranhíssima, já não achava coisa alguma impossível. Apesar disso,
a presença indubitável do mundo real a sua volta, das dores vivas pelo corpo, o
clamor de uma realidade muitíssimo material e incontestável, o convidavam a uma
justificativa mais racional para os fatos peculiaríssimos em sua memória, que a
hipótese de um transe exotérico inexplicável.
E
assim, pouco a pouco, revendo mentalmente cada situação vivida naquele dia
surreal em companhia de seu duplo-ego do futuro, foi se convencendo da hipótese
mais plausível de haver sonhado com toda aquela intrincada trama, enquanto se
mantinha desacordado, após haver recebido uma pancada violenta na cabeça...
Essa hipótese era mais racional, mas em seu íntimo o jovem resistia a ela...
Estava
Pedro absorto nesses pensamentos quando adentrou o quarto a enfermeira de
plantão:
- Maravilha!
– exclamou – Nosso jovem adormecido está de volta! Que ótimo!
E
assim dizendo, pediu licença para a mãe carinhosa para refazer o curativo existente
sobre a cicatriz cirúrgica na perna do rapaz. A mãe, prontamente, foi juntar-se,
no corredor, à tia do adolescente, esta já em conversação amistosa e
entusiasmada com uma senhora que viera, acompanhada da filhinha, visitar um
parente internado no mesmo andar. Logo se verificou que a tal senhora, por
incrível coincidência, residia a apenas duas quadras da moradia da Sra.
Nascimento e de sua família. Em minutos, as três madames já se entrosavam
perfeitamente e trocavam telefones prometendo estreitar a nova amizade. A afinidade se dava tão naturalmente e os
assuntos atraíam de tal maneira sua atenção que a pequena demora do pai do
garoto, ausente, na busca ao médico plantonista, foi ignorada temporariamente.
No
quarto do menino, enquanto isso, a enfermeira desfazia o curativo em sua perna direita,
antes de trocá-lo por um novo. A cabeça do rapaz, que se submetia ao
procedimento com desinteresse, ainda perambulava pelo terreno da dúvida em
relação a suas lembranças extraordinárias. Teria realmente sido um sonho? Toda
sua experiência tinha sido muito viva e real... Teria sido uma alucinação?
Talvez isso! Agora eram três possibilidades: sonho, experiência transcendental
ou alucinação! Que fazer com tudo isso?
-
Talvez vá doer um pouco! – A voz da enfermeira, a segurar uma almotolia,
prestes a derramar sobre o ferimento um líquido de cor escura, arrebatou-o de
seus pensamentos. Foi então que Pedro, agora sem as ataduras e bandagens, pôde
ver pela primeira vez a cicatriz cirúrgica, entre cinco a dez centímetros de
extensão, logo abaixo do joelho direito, sobre a face lateral de sua tíbia...
Era a cicatriz restante! O rapaz paralisou! Meu Deus! Aquilo era real! A única
cicatriz que o velhinho do futuro possuía e ele, Pedro, não! Agora já não havia
nenhuma diferença...
Foi
assim que Pedro, na fração de segundo decorrida entre o momento em que
vislumbrou sua cicatriz e o instante seguinte, quando a enfermeira derramaria o
antisséptico sobre sua tíbia, descobriu a verdadeira natureza da sua sede!
Agora ele tinha sede de mudança! Tinha sede de construção! Pedro iria se
empenhar na tarefa de construir um país melhor, de redefinir o conceito de
democracia. E ali, aparentemente incapaz, restrito a um leito hospitalar, foi
que seu pensamento vibrante, pela primeira vez, antecipou planos para o futuro,
desenhando cenários, calculando hipóteses numa vertiginosa maratona intelectual.
Pedro começava a se perceber como um revolucionário... A citação do venerável
cicerone do futuro lhe tomava o Ser e pulsava fortemente em suas artérias,
dominando-lhe completamente o pensamento:
“- Não
há mais nada capaz de justificar o voto indireto, sob qualquer ponto de vista!
A tecnologia de hoje permite ao cidadão representar-se a si mesmo! Isso elimina
as terríveis distorções da representatividade indireta!”
A
partir daquele momento, esse aforisma seria seu lema!
...
A
enfermeira derramou o antisséptico sobre a ferida cirúrgica no instante exato
em que o pai do rapaz chegava ao corredor em companhia do médico plantonista. A
Senhora Nascimento fez questão de apresentar a nova amiga. Nesse momento, do quarto
vizinho àquele em que Pedro estava internado, saía uma garotinha serelepe,
aparentando ter uns cinco anos de idade, correndo alegre em direção à
respeitável senhora:
- Esta
é a Carmem, minha filha – Apresentou!
Cabelos ruivos e cacheados, olhos verdes resplandecentes e uma aura de
vivacidade indescritível... A menina era a pura visão de um anjo!
Gilberto de Almeida
09/08/2013
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